A LUA E A MULHER



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 A LUA E A MULHER

A Lua faz parte do imaginário da humanidade, para os antigos, o próprio astro parecia nascer, crescer, atingir a plenitude e desaparecer, como a barriga de uma gestante. Por isso, ela foi associada à fertilidade da terra, dos animais e das mulheres.

O ciclo menstrual da mulher segundo a Medicina Tradicional Chinesa (MTC) dá-se em quatro fases (menstrual, pós-menstrual, meio do ciclo e pré-menstrual) tal como o da lua também (nova, crescente, cheia, minguante) e deverá ocorrer de 28 em 28 dias (podendo sofrer oscilações de mulher para mulher) tal como ocorrem os ciclos lunares. De entre outros, obedecem também às oscilações cíclicas da lua: as marés, o calendário chinês e a gestação da mulher. A Mulher é yin em relação ao Homem e a lua em relação ao sol. Estas duas polaridades de yin são interdependentes e interrelacionáveis.

Devido ao rápido e pontual ciclo da lua de 28 dias, ela foi a primeira referência para a medição do tempo. Até hoje, as agendas trazem a marca dos primitivos calendários lunares.

O cruzamento das forças da Lua (Yin) e do Sol (Yang) compõem uma das unidades duais que formam as mutações cíclicas yin e yang do nosso planeta, permitindo o crescimento e desenvolvimento de todas as coisas.

No livro do Imperador amarelo, o imperador Huang Di pergunta a Qi-bo ( médico mitológico chinês, empregado pelo Imperador Amarelo como seu ministro).: Ouvi dizer que o céu era Yang e a terra era Yin, que o sol era Yang e a lua era Yin. Como é que isso é representado, no corpo humano?

Qi-bo responde: O que está acima dos rins (região lombar) depende do céu; o que está abaixo da região lombar depende da terra. os 12 vasos principais ((Jing - mai) correspondem assim aos 12 meses (12 ramos terrestres). A lua está em relação com a água. Eis porque está situada em baixo é Yin"''

A cada 2h a Lua move-se 30 graus, o que divide o globo/relógio em 12 partes iguais num dia, podendo-se estabelecer uma relação directa com a circulação de Qi nos órgãos - a sua "maré energética". Durante 2h cada Zang-Fu encontra-se na sua "maré cheia", momento em que o órgão está mais forte e 180 graus depois encontram-se na sua "maré vazia", momento em que cada órgão está mais fraco, obedecendo ao mesmo padrão dos mares.

A característica principal do Tao é a natureza cíclica do seu movimento e suas incessantes mudanças. Esta ideia diz-nos que todos os acontecimentos na natureza apresentam padrões cíclicos de ida e volta, de expansão e contração. Recebendo assim, uma estrutura precisa com a introdução dos opostos polares Yin e Yang. Todas as manifestações do Tao são geradas pela inter-relação dinâmica dessas duas forças polares.

A mulher é regida por um microciclo lunar pessoal, conhecido como ciclo menstrual ao qual podemos chamar a sua Lua Pessoal. Este conhecimento esteve presente na cultura de povos antigos, os nativos norte americanos chamavam o ciclo menstrual de “lua”, justamente pela sua relação cíclica directa com o astro que rege os Ciclos Naturais de Vida no nosso planeta Terra.


O Ciclo Lunar Pessoal reproduz o que ocorre no macro cosmo externo promovendo um alinhamento natural, onde o micro cosmo do nosso corpo, se ajusta ao macro cosmo lunar. Cada fase do ciclo dura em média 7 dias, como as fases lunares.

Os primeiros 7 dias, que correspondem ao sangramento menstrual, representam a nossa Lua Nova Pessoal, momento em que o endométrio, tecido uterino que se formou no ciclo hormonal anterior degenera e se desprende das paredes uterinas originando o sangramento. É a renovação do ciclo, um novo óvulo inicia o seu processo de crescimento, e as hormonas atingem os níveis mais baixos.

A Lua Crescente Pessoal, começa nos 7 dias seguintes. O estrogénio aumenta e com ele o óvulo cresce.

A Lua Cheia Pessoal chega com a maturação do óvulo, a ovulação, onde ocorre a libertação do óvulo que desce para as trompas até chegar ao útero. É o período fértil, onde é possível ocorrer uma gravidez. Caracterizado por uma grande movimentação hormonal, há́ muita energia disponível e em geral são dias mais activos.

A Lua Minguante Pessoal, corresponde ao período onde ocorre uma queda do nível de estrogénio e dá se o pico de progesterona, formação do corpo lúteo nos ovários e o aumento do endométrio. Este período, de grande transformação dos padrões hormonais, corresponderá à síndrome pré́ menstrual ou TPM.

É extremamente útil e de uma riqueza imensa para cada mulher a compreensão do seu ciclo pessoal, da sua Lua pessoal, trabalhando assim o seu lado feminino, entrando em contacto com aquilo que lhe é mais íntimo.

Podemos verificar que existem semelhanças tremendas entre o ciclo hormonal, que leva á fertilidade e à menstruação da Mulher, e os níveis das marés havendo uma correspondência proporcional dos gráficos entre os níveis das águas do mar e o espessamento do endométrio. Em MTC isto pode ser traduzido como a alternância verificada entre o yin e o yang que ocorrem devido às influências celestes da Lua. No início do ciclo existe mais Yin disponível e à medida que os órgãos vão proporcionando o enriquecimento nutritivo do aparelho reprodutor feminino a curva crescente do Yin dá lugar a um acréscimo do Yang. Como foi acima referido a Lua nova da mulher corresponde ao período da menstruação onde o endométrio volta a diminuir de tamanho, na tabela das marés será também onde existe uma menor oscilação e movimentação das marés, o período mais Yin. Ao invés, a Lua cheia de cada mulher, que irá corresponder ao seu período mais fértil e de maior espessamento do endométrio, equiparado ao pico de maior actividade das marés, é, portanto o momento mais Yang dos ciclos femininos. Com isto não se quer presumir que todas as mulheres menstruem na Lua nova nem que o seu período fértil seja sempre na Lua cheia, é sim uma visão microcosmos macrocosmos dos fenómenos da natureza. No entanto as características de cada ciclo, a recolha e a expansão que ocorrem ciclicamente devem ser tidas em contas por cada mulher e assim compreender melhor os seus processos fisiológicos, psicológicos e emocionais que vem lado a lado com a sua natureza oscilatória, tal como as marés dos oceanos. Poderá, no entanto, ao longo da vida da mulher haver ajustes onde a sua menstruação e restantes fases serão ajustadas consoante as Luas, acarretando diferentes conotações e aprendizagens necessárias daquele que é o mais íntimo do seu sagrado feminino. Num período de fertilidade correspondente à juventude poderemos verificar que a Lua cheia será́ aquela que terá́ mais impacto e força e na velhice a Lua nova será́ a correspondente da sabedoria vivida pela mulher que ao ter passado por todos os ciclos da vida e brindado a terra com a sua fertilidade estará́ então, pronta para transmitir a outra mulheres aquela que é a sua experiência de mulher.


Os círculos de mulheres são lugares onde o feminino pode ser explorado sem represálias, a troca de experiências e o apoio que as mulheres podem prestar umas às outras é de extrema importância, não só́ para o crescimento individual de cada mulher, mas também para toda a sociedade, que na sua nutrição e cuidado depende imensamente das caraterísticas femininas. O feminino é a polaridade Yin que vem equilibrar o Yang masculino, sendo que as suas características de subtileza, nutrição, carinho, harmonização e sustentação equilibram a agressividade, a acção, o stress e a desnutrição. Nas sociedades modernas observa-se uma crescente falta de ligação com a terra e com o feminino, não apenas por parte das mulheres, mas de uma sociedade em geral, onde se observa o afastamento da mulher no seu papel de mãe e da sociedade no seu cuidado com seus cidadãos. As guerras, a violência e o individualismo são resultado do corte com o feminino que deixa o Yang desequilibrado tornando-se, portanto patológico e preocupante.

Para a MTC o tempo de gestação é medido em meses lunares. São por isso 10 meses de gestação em vez dos 9 meses da medicina convencional.


Durante o processo de desenvolvimento embrionário há um meridiano em formação em cada um dos 10 meses de gestação, são correspondentemente os meridianos do fígado, da vesícula biliar, do mestre-coração, do triplo aquecedor, do baço-pâncreas, do estômago, do pulmão, do intestino grosso, do rim e por fim da bexiga. Caso haja alguma anomalia durante algum dos meses de gestação o bebé irá provavelmente apresentar sintomas relacionados com meridiano correspondente. A fase da lua propriamente dita não é referida nos textos, no entanto fazendo uso do mesmo raciocínio aplicado aos outros micro ciclos derivados da influência lunar pode-se dizer que todo o processo de crescimento do embrião irá culminar num acúmulo de yang, que chegando ao seu apogeu máximo (Lua Cheia da grávida) irá dar lugar a um novo ciclo, a Lua nova, o nascimento. A relação com as fases externas da Lua irá também surtir o seu efeito na grávida sendo que na Lua cheia é do conhecimento popular que ocorrem mais partos, hemorragias ou abortos. A explicação mais comum para esses efeitos lunares são as chamadas marés biológicas. Criada pelo psiquiatra americano Arnold Lieber, a teoria supõe que, se a Lua tem influência nos oceanos, provocando as marés, influenciaria também os líquidos que constituem cerca de 70% do organismo humano. Assim, se a Lua Cheia provoca marés mais violentas, deveria também provocar uma expansão no líquido amniótico, que envolve o embrião no útero, forçando a bolsa e precipitando o parto.

O Qi dá origem ao céu e à terra: os sopros ligeiros, mais yang sobem e formam o céu, enquanto os sopros pesados, mais Yin, descem e formam a terra. Entre o céu e a terra encontra-se o Homem, com energia própria e submetido às leis do céu e da terra.

"O céu tem 4 estacões, enquanto que os humanos têm 4 membros...Há 365 dias no ano, enquanto os humanos têm 365 articulações [pontos de acupunctura] ...Há 12 canais de rio que cruzam a terra, enquanto que os Homens têm 12 canais de meridianos" (Ling Shu).

A MTC dá-nos esta noção de microcosmos macrocosmos, como a circulação energética do Ying Qi e as oscilações entre o Yin e o Yang da mulher durante o seu ciclo hormonal, e a partir daí podemos entender o organismo humano com todas as suas interações com o meio ambiente. A mulher é a parte Yin que está na terra e completa o Yang do Homem a Lua é o Yin que está no céu e completa o Yang do Sol.

Para a Mulher tomar consciência da sua Lua Pessoal, pode ajudar a trabalhar os seus aspetos físicos, emocionais, psíquicos e espirituais para harmonizar a sua saúde. As mulheres estão desconectadas do mundo natural, é necessário reaprender a olhar para dentro de cada Lua Pessoal, e para fora, a Lua Cósmica.

Sentir a influência da Lua no corpo, como ela influência a vida quotidiana é um movimento importante para realinhar e remodelar os ciclos internos. Reconhecer essas influências é o primeiro passo, há que procurar contemplar essas luas, observar o corpo, tocá-lo, sentir inteiramente como ele reage e estar atentas a pequenas mudanças.

Ser mulher é ser mudança. Aceitar este constante reboliço hormonal, saber que somos cíclicas, lunares, representa um resgate de conhecimentos antigos, saberes que datam desde o início da civilização humana, a partir de sua auto-observação. Nos tempos de hoje, é importante resgatar essas antigas tradições, sabedorias esquecidas pelos tempos que ganham força a partir do momento em que compreendemos que estamos a perder um conhecimento importante para a nossa saúde integral. Tomar consciência do sagrado feminino é um primeiro passo para ele poder ser recuperado.

Artigo escrito por Mariana Pacheco Nobre, editado e traduzido por Constança Monteiro e publicado por Sónia Vitorino.





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