Quistos nos Ovários



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Quistos nos ovários 


Os quistos nos ovários apesar de serem frequentes são ainda pouco conhecidos. A grande maioria é indolor, razão pela qual são encontrados habitualmente em exames de rotina. No entanto, é possível sentir pontadas na zona pélvica, distúrbios menstruais e urinários e, em casos graves, pode ocorrer esterilidade. Apesar da inquietação provocada pelo diagnóstico de um quisto no ovário, na realidade, a maioria é funcional, desaparece espontaneamente após alguns ciclos menstruais. Por outro lado, os quistos orgânicos necessitam de vigilância apertada e de tratamentos rigorosos.  Em casos menos complicados e segundo a medicina convencional, a toma de contracetivos orais é suficiente, contudo em casos graves a cirurgia é imprescindível.  
Pode aparecer em qualquer fase da vida, porem é na fase reprodutora que as mulheres são mais afetadas. No entanto, a prevalência de quistos malignos é maior após a menopausa. Na Medicina Chinesa, os quistos são caracterizados como massas abdominais, envolvendo principalmente síndromes de Estagnação de Qi, Estase de Sangue, e Fleuma. Os tratamentos variam entre a acupunctura e a fitoterapia, associando a prática energética. 

Contextualização histórica 

Eugène Koeberlé, cirurgião francês do Século XIX, foi pioneiro da cirurgia abdominal e ginecológica, deve-se a ele a primeira  operação a um quisto no ovário a 3 de Junho de 1862.  
Na Medicina Tradicional Chinesa, a primeira referência aos quistos nos ovários foi feita no Capitulo 57 do livro Spiritual Axis, chamado “Massas profundas nos Intestinos” (Chang tan):  
“O Frio externo debate-se com o Qi Defensivo, o Qi não consegue florescer, no interior desenvolvem-se acúmulos que se transformam em nódulos: o Qi sobe e forma-se carne decadente. No início o caroço é do tamanho de um ovo, aumenta gradualmente até atingir o tamanho do abdómen no fim de uma gravidez. Passados uns anos, o caroço parece duro ao toque mas é móvel, flutua com os ciclos menstruais” 

Caracterização dos Quistos nos ovários na Medicina Alopática  

Funcionais
Representam 90% dos tumores ováricos. Geralmente são originários de um estímulo ovárico excessivo durante o ciclo menstrual provocando a evolução de um folículo ou de um corpo amarelo em quisto. Podem aparecer ao longo de toda a vida, no entanto têm predominância entre a puberdade e a menopausa.  
Geralmente estes quistos são benignos, nunca foi demonstrada uma ligação com o cancro do ovário. Podem regredir espontaneamente ou após tratamento médico.  

  • Foliculares - São de longe os mais comum de todos os tipos de quistos . Surgem quando o folículo responsável pela liberação do óvulo aumenta de tamanho e se enche de líquido fluído. É normal e faz parte do processo natural dos ovários durante o ciclo menstrual. São de evolução rápida, normalmente aparece e desaparece num curto período de tempo.  

  • Corpo Lúteo - Este tipo de quisto ocorre após a libertação de um óvulo do folículo, sendo este transformado em corpo lúteo. Se não ocorrer conceção o corpo lúteo desaparece. No entanto, pode encher-se de fluídos ou sangue e persistir no ovário. Normalmente estes quistos encontram-se unicamente num ovário e são assintomáticos. Os quistos do corpo Lúteo tendem a ser maiores do que os quistos foliculares e também mais suscetíveis de romper durante o processo menstrual. 

  • Hemorrágicos - São um dos tipos mais dolorosos de quistos nos ovários, estando a dor localizada de um só lado do abdómen. Também é conhecido por quisto de sangue, uma vez que se desenvolve quando há sangramento num quisto.  


Orgânicos
Caracterizam-se por vegetações internas, com diâmetro superior a 6 centímetros, uma parte sólida e uma parede grossa. Estes critérios permitem seguir a evolução benigna ou maligna. 
  • Dermóide - O quisto dermóide é um tipo de tumor benigno por vezes referido como quisto teratoma maduro. É um quisto anormal que afeta mais frequentemente jovens mulheres, pode chegar a 6 centímetros de diâmetro. São formados por diversos tipos de tecidos orgânicos como cabelos, pedaços de ossos, dentes, células gordurosas e cartilagens. Por ser um quisto de grande dimensão, pode mais facilmente tornar-se maligno. 

  • Cistadenoma - Estes quistos formam-se a partir de células do tecido ovárico e localizam-se na superfície deste. Normalmente contêm um tipo de material mucoso. Os cistadenomas podem chegar a medir 30 centímetros ou mais de diâmetro, ameaçando invadir o abdómen. Não causam dor, mas podem sofrer uma torção do pedículo ou rutura, o que provoca dor severa, necessitando de uma cirurgia de emergência. 

  • Endometrióide ou endometriose do ovário - Este tipo de quistos têm como causa a endometriose, o tecido endometrial (sangue e outros tecidos) alastra-se e inicia crescimento anormal dentro dos ovários. Ao longo do tempo o sangue dentro do quisto torna-se acastanhado, é deste modo que também é conhecido por quisto de chocolate. Ao romper-se provoca transbordamento do seu material para a pélvis, superfície do útero, bexiga e intestino. Pode causar dor abdominal, sangramento vaginal e dores de cabeça. O tratamento para este tipo de quisto pode ser médico ou cirúrgico.  

  • Ovários com aparência poliquística – neste caso os ovários aumentam geralmente o dobro do volume e apresentam pequenos quistos na sua superfície externa. Pode ocorrer em mulheres saudáveis mas também em mulheres com doenças endócrinas. É uma situação diferente da Síndrome dos ovários poliquísticos, que envolve riscos metabólicos e cardiovasculares relacionados à resistência insulínica.  


Quistos nos ovários à luz da Medicina Tradicional Chinesa 

De forma geral, os quistos funcionais reagem muito bem à acupunctura e fitoterapia. Os quistos endometriais são abordados de forma semelhante à endometriose. No caso dos quistos dermóides, se a condição for grave, é necessário recorrer à cirurgia ( acima dos 5cm). 
Na Medicina Tradicional Chinesa os quistos dos ovários pertencem à categoria Zheng Jia (massas abdominais). Zheng caracteriza as massas fixas. Jia indica as massas abdominais móveis, aparecem e desaparecem espontaneamente. Wu Qian (1749) no: “ Espelho de ouro da medicina” (Yi Zong Jin Jian): Os Zheng são firmes, consistentes e sua localização é fixa. Os Jia são móveis, deslocáveis, aparecem e desaparecem espontaneamente. Eis porque diz-se que os Zheng são evidentes, têm forma que se pode perceber, e que os Jia são aparências que tomam formas. Os Zheng Jia são comuns em ambos os sexos, no entanto, por razões fisiológicas, a doença é mais frequente nas mulheres. 

Etiologia 

Fatores patogénicos externos  

Os quistos nos ovários são muitas vezes associados a invasões patológicas externas, principalmente nas alturas em que a mulher está mais vulnerável, isto é, durante os períodos menstruais e pós parto. 

Emocional  

A tensão emocional é a causa mais comum das massas abdominais. A raiva, especialmente a reprimida, a frustração, o ressentimento, o ódio, preocupação e culpa afetam diretamente o Fígado, provocando Estagnação de Qi do Fígado e a longo prazo Estase de Sangue do mesmo. O Fígado tem um papel importante na mulher, é responsável pela circulação de sangue no abdómen inferior. 

Dieta 

Dieta irregular ou consumo excessivo de alimentos frios e crus podem conduzir à formação de Frio no baixo abdómen. O frio influência diretamente a circulação do Qi e Sangue pelo seu efeito de contração, provocando especialmente Estase de Sangue. 
O excesso de comidas gordurosas enfraquece o Baço e pode influenciar na formação de mucosidade e fleuma, os quais tendencialmente alojam-se no aquecedor inferior, provocando massas. Existe uma relação íntima entre a fleuma e a Estase de Sangue em que cada uma pode provocar ou piorar o estado da outra. Ingredientes artificiais são nocivos para o nosso organismo. Para além de diminuírem o sistema imunitário também danificam a função do estômago de distribuir a essência dos alimentos. Por outro lado aumentam o risco de acúmulo de toxinas.  
Bebidas alcoólicas em excesso danificam a função do Fígado na formação e armazenamento do sangue. 

Ambiente 

Um ambiente tóxico diminui as funções do corpo em regular a oxidação das células, levando a um crescimento de células anormais, incluindo os quistos nos ovários. Trabalhar num ambiente demasiado quente ou demasiado frio vai afetar a função do rim em distribuir os fluídos, resultando num decréscimo do yin ou yang do corpo. 

Patogenia  

As massas abdominais pertencem sempre a Estagnação de Qi, com massas não palpáveis, ou a Estase de Sangue, com massas palpáveis.  
Para além das estagnações pode igualmente existir fleuma. No entanto, em todos os casos de massas abdominais está sempre subjacente uma deficiência de Qi, yin ou yang, sendo os órgãos mais afetados, o Baço-Pâncreas e o Rim. 

Massas por Estagnação de Qi - as massas fazem-se e desfazem-se, são móveis. Se houver dor, esta não é fixa e é acompanhada por uma sensação de distensão.  

Massas por Estase de Sangue - são fixas e firmes. Se houver dor é de carácter fixo e tipo facada e agravada pela pressão.  

Massas por Fleuma - são macias à palpação e são fixas. Normalmente não provocam dor 


Diferenciação de síndromes e tratamento 

O tratamento das massas abdominais é sempre baseado em mover o Qi e Sangue, mas também é preciso ter em conta a fase da doença.  
Numa fase inicial o fator patogénico (Estagnação de Qi ou Estase de Sangue) ainda é fraco, mas pelo contrário o Zheng Qi está forte. Primariamente é necessário tratar o fator patogénico movendo o Qi e Sangue e resolvendo a fleuma.  
Numa fase mais avançada, o Zheng Qi está a enfraquecer e o fator patogénico está mais forte. É necessário resolver o fator patogénico e tonificar o Zheng Qi simultaneamente. Numa fase mais tardia o fator patogénico é predominante e as massas muito desenvolvidas, enquanto o Zheng Qi enfraquece.  
Inicialmente é preciso tonificar o Zheng Qi e depois resolver o fator patogénico. Quando se move o Qi em massas devido a Estagnação de Qi, o princípio terapêutico é mover o Qi primariamente e só depois revigorar o Sangue. 
Em massas por Estase de Sangue é necessário revigorar o Sangue, eliminando a estase e de seguida mover o Qi. 

Conclusão 

Nos últimos anos a medicina tem vindo a evoluir para uma forma mais passiva no tratamento dos quistos nos ovários, isto é, não se recomenda para a maior parte das situações, a cirurgia. Há uma maior inclinação para a observação constante e conselhos rigorosos a seguir. Apesar de a cirurgia ser necessária nos casos mais graves, tenta-se da melhor forma não deixar danos no sistema reprodutor. No âmbito da medicina chinesa, claramente é a área da fitoterapia, seguida da acupunctura, as mais estudadas. Foi de facto um desafio encontrar informações sobre outros tratamentos específicos para os quistos nos ovários. É sem dúvida uma área de grande interesse a ser desenvolvida. Não só por ser comum na população mas também para estar aquém das espectativas da nossa classe feminina moderna. Esta que cada vez mais tem noção da importância dos seus ovários, não só como órgão reprodutor, mas também como um reservatório de uma energia essencial para o bem-estar na feminidade. Para concluir, quero salientar que nos tratamentos de medicina chinesa os quistos nos ovários podem ser desfeitos unicamente se não passarem dos 5 centímetros de diâmetro. Nos casos de tumores malignos, a medicina chinesa deve ser acompanhada com tratamentos alopáticos. Em termos de prevenção, pacientes com tendência a massas abdominais devem ter especial atenção ao consumo excessivo de alimentos e bebidas frias. Durante o período menstrual e pós-parto, devem ter cuidado ao frio e à humidade. Devem prevenir-se do frio após relações sexuais e evitar estas durante a menstruação. Dar aos nossos ovários a oportunidade de nos fazerem sentir mais femininas é sem dúvida, a meu ver, a melhor prevenção possível. 

Cuidamos deles e eles cuidam de nós! 

 
Artigo escrito por Flora Baballero, editado e traduzido por Paula Madeira e publicado por Sónia Vitorino



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