Transsexualidade


Transsexualidade na História

A Diversidade de Género é um fenómeno remoto e transversal a numerosas culturas, ao longo do tempo. É possível encontrar diversos documentos ou relatos históricos que referenciam a existência de transexuais na história da humanidade. Em algumas sociedades estas pessoas eram idolatradas e respeitadas, em outras marginalizadas.


Quando começou a emergir o pensamento livre, nos séculos contemporâneos, os transsexuais começaram a ser marginalizados e a situação tornou-se obscura de tal modo que tanto a orientação sexual como a identidade de género eram consideradas uma “inversão sexual”.
Mais tarde houve a separação semântica em homossexualidade e transexualidade e nos anos vinte, iniciou-se a terapêutica hormonal para pessoas que hoje em dia seriam designadas como transexuais, por Harry Benjamin.

As primeiras cirurgias de alteração genital foram realizadas por volta de 1920 na Alemanha e na Dinamarca. Tais procedimentos eram considerados como práticas de "adequação sexual". A primeira operação, em que há registo, foi realizada em 1921 por Feliz Abraham, em "Rudolf", considerado o primeiro transexual redefinido.
A notoriedade do caso despertou o interesse na comunidade médica para a pesquisa da transexualidade, e daí partiu o desenvolvimento de técnicas cirúrgicas para atuar nesta condição.
Mais tarde, Harry Benjamin institui cientificamente o conceito de transexualismo, teorizando e descrevendo este fenómeno.


Conceito de Transsexualidade

Em novembro de 2012 o comité do DSM-IV (Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders) admite o conceito de transsexualidade como “Disforia de género”.
A Disforia de Género é uma circunstância em que existe uma inadequação entre o sexo anatómico atribuído e registado á nascença e a identificação de género. É um fenómeno complexo que se caracteriza pelo sentimento intenso de não-pertença ao sexo biológico, sem a manifestação de distúrbios delirantes e sem bases orgânicas.
Pode manifestar-se desde cedo, na infância, ou na fase jovem/adulta dos sujeitos.
A transexualidade é um tipo de Disforia de Género e consiste na vontade de viver no papel social do género oposto aquele que lhe foi atribuído socialmente.


Caracterização na Medicina Ocidental

A transexualidade é um tema já abordado por vários autores até aos dias de hoje, no entanto, é imperativo proceder à clarificação de alguns conceitos dado que alguns profissionais de saúde e sociedade em geral ainda tendem a confundir transexualidade com outras perturbações sexuais.

Sexo - classificação biológica das pessoas como machos ou fêmeas, baseada em características orgânicas como cromossomas, níveis hormonais, órgãos reprodutivos e genitais.

Presentemente, a definição de sexo abrange cinco elementos:
Genótipo (sexo genético),
Fenótipo (sexo físico),
Sexo gonádico (gónadas),
Sexo psicológico
Sexo social.

É também necessário considerar outros elementos quando se fala de sexualidade: orientação sexual e escolha do parceiro na atividade sexual.

Género - classificação pessoal e social das pessoas como homens ou mulheres. Orienta papéis e expressões de género sendo independente do sexo.

Papel de Género - significa o modo de agir em determinadas situações conforme o género atribuído, ensinado às pessoas desde a nascença, sendo mutável cultural e historicamente.

Identidade de Género - significa o género com o qual uma pessoa se identifica, que pode ou não concordar com o género que lhe foi atribuído aquando de seu nascimento.
Os indivíduos transexuais podem ser heterossexuais, homossexuais ou bissexuais.

Homossexualidade - descreve pensamentos e sentimentos dirigidos a uma pessoa do mesmo sexo, bem como qualquer comportamento sexual associado.

Travestismo - descreve o indivíduo que obtém prazer sexual ao vestir-se com roupas do sexo oposto ao seu, podendo, por vezes, envolver apenas a roupa interior bem como pode ocorrer apenas em privado, em ambiente discreto.

Transgenerismo - a pessoa transgénero pode ser considerada aquela que se identifica com a identidade do sexo oposto mas não sente necessidade de transformação física. Corresponde à recusa das expectativas de género atribuídas ao seu sexo e à identificação com o sexo oposto.

Hermafroditismo - condição que decorre do desenvolvimento sexual embrionário irregular, podendo apresentar-se sob vários graus de sexo intermediário. Essa anomalia pode surgir de erros na determinação sexual (definição genética do sexo genético) quanto na diferenciação sexual (diferenciação das gónadas sexuais).

Intersexualidade - O termo define variações sexuais em que existe discrepância entre os genitais externos e os internos (testículos e ovários).
O intersexo pode ser dividido em três categorias:
Intersexo 46XX (cromossomas femininos mas genitais externos com características masculinas);
Intersexo 46XY (cromossomas masculinos mas os genitais externos estão formados de forma incompleta, ambígua ou até são claramente femininos (pseudo-hermafroditismo masculino); Intersexo gonadal verdadeiro, em que o indivíduo tem de ter ambos tecido ovárico e testicular.

Transexualidade - Harry Benjamin descreveria a transexualidade como “a plena convicção por parte de um indivíduo de determinado sexo de pertencer ao sexo oposto, e o comportamento visando realizar essa convicção”.
No entanto, atualmente, o transexual é a pessoa que apresenta um distúrbio de identidade de género, constante e persistente, que evolui na busca da mudança permanente do sexo anatómico, passando pelo vestir-se e comportar-se de acordo com o outro género, dando sequência a um tratamento hormonal e culminando numa cirurgia de redesignação sexual.
Este fenómeno é independente da orientação sexual.


Métodos de Diagnóstico em Medicina Ocidental

Perturbação de Identidade de Género (PIG) = Transexualidade = Transexualismo = Disforia de Género

Definição e critérios de Diagnóstico

O diagnóstico de Perturbação de Identidade de Género é feito com base na existência de duas componentes, e ambas têm que estar presentes (DSM-IV-TR):

1. Evidência de uma identificação de género cruzada intensa e persistente (desejo de ser ou insistência de que se é do outro sexo)
2. Evidência de um desconforto persistente acerca do sexo que lhe é atribuído ou sentir-se inapropriado no papel de género desse sexo.
3. Esta identificação de género cruzada não pode ser apenas um desejo de ser do outro sexo em função de alguma vantagem cultural (ou outra) e o diagnóstico não se faz se o sujeito tem um estado físico intersexual simultâneo ou uma anomalia cromossómica.
Para se fazer o diagnóstico de PIG tem de existir evidência de mal-estar clinicamente significativo ou dificuldade no funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas importantes do funcionamento.


Perturbações e Características Associadas

Perturbações Mentais
O isolamento e ostracismo condicionam uma baixa auto-estima e podem levar à aversão escolar ou abandono da escola.
As relações com um ou ambos os progenitores podem também ser gravemente afetadas.
Alguns homens com PIG recorrem à automedicação com hormonas e podem (muito raramente) executar a sua própria castração ou amputação do pénis.
Estão habitualmente associadas as tentativas de suicídio e perturbações relacionadas com substâncias.


Crianças
Pode coexistir Perturbação de Ansiedade de Separação, uma Perturbação de Ansiedade Generalizada ou sintomas de Depressão.

Adolescentes
Grupo com risco particularmente alto de Depressão. Ideação suicida e tentativas de suicídio são frequentes.

Adultos
Sintomas depressivos e ansiosos, a Perturbação de Personalidade é mais comuns nos homens do que nas mulheres. Os homens adultos que são sexualmente atraídos por mulheres, ou por nenhum dos géneros, referem habitualmente uma história de excitação erótica associada com o pensamento ou imagem do próprio sujeito enquanto mulher.



Diagnóstico Diferencial

Ao tratar-se de um diagnóstico clínico, que não assenta em nenhum exame complementar de diagnóstico para o confirmar, é da maior importância que os médicos, psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas e outros que se envolvem no processo, estejam seguros do mesmo.
Há quem defenda que os casos suspeitos de PIG devem ser sempre enviados para uma das várias equipes multidisciplinares de Sexologia Clínica, com formação própria e experiência na área.
São necessários 2 diagnósticos elaborados por equipas independentes para que o processo tenha início.


Processo de Reatribuição Sexual (PRS)

O PRS passa pela elaboração de um diagnóstico com avaliação clínica, psicoterapia, um Teste Real de Vida, Tratamento Hormonal e Tratamento Cirúrgico, e por fim, Reconhecimento Legal.
O PRS completo não é a única opção perante a PIG. A decisão deverá ser adaptada considerando as condições inerentes, o desejo do próprio e o apoio da equipe clínica.
Podem ser tomadas diferentes resoluções, como o tratamento incompleto (com abandono do PRS), aceitação do género biológico e do papel estereotipado e/ou opção pela vivência intermitente ou completa do papel de género desejado.


Avaliação Clínica em Portugal

·      Período mínimo de dois anos - avaliação contínua de adaptação ao processo de adopção do sexo desejado,
   Duas avaliações clínicas - avaliações clínicas distintas pertencentes a centros clínicos independentes
    Elaboração de um diagnóstico correto e Diagnóstico diferencial
·      Perceção da adaptação demonstrada na sua vivência enquanto indivíduo do sexo feminino/masculino, em consonância com o seu sexo psicológico.


Tratamento Farmacológico

Terapia Hormonal
A terapia hormonal tem um importante papel no decorrer na transição anatómica e psicológica de adultos com PIG, sendo por vezes necessária a uma adequação de vida no novo género, melhorando-a.
A administração de androgénios a mulheres biológicas e de estrogénios, progesterona e antiandrogénios a homens biológicos, faz com que os doentes se sintam e pareçam membros do género cruzado.


Transsexualidade em MTC

A Transsexualidade não é um tema abordado pela Medicina Tradicional da China, mas no Ocidente já se encontram artigos e teorias desenvolvidas por terapeutas, que procuram perceber este fenómeno á luz da teoria da Medicina Tradicional Chinesa e encontrar terrenos de atuação para apoiar em todo o processo de transição e nos desequilíbrios emocionais e energéticos derivados da ingrata situação pessoal e social dos indivíduos.

Um dos alicerces da MTC é a Teoria do Yin e Yang, que explica todos os fenómenos do Universo através da interação e transformação destas duas forças.
Na concepção de género na MTC, o yin é ligado ao feminino, assim á mulher, e o yang ao homem e ao masculino, mas é interessante perceber que ao conectarmos diretamente estes conceitos criando conceitos absolutos e imutáveis, pode-se cair no erro de não compreender a relatividade, a mutabilidade e reciprocidade inerentes ao yin e yang.
Na base desta teoria está o conceito de relatividade que caracteriza o yin e o yang: algo só é yin relativamente ao yang, assim como algo é caracterizado de yang relativamente à força oposta do yin, um contém o outro, há “yang no yin” e “yin no yang”, deste modo existem características yin em corpos yang e vice-versa.
Outro princípio desta tese é a transmutação, cada uma destas forças transforma-se na outra, e este fenómeno verifica-se na transsexualidade. Do yin e do yang nasce movimento, mudanças, metamorfose.

A MTC tem diversas ferramentas para intervir e apoiar as pessoas Transsexuais em diversos planos:

Pré-operatório:
·      Preparação do corpo para a cirurgia, minimizando as complicações e stress

Atuação do pós-operatório:
  • Acelerar o processo de cicatrização, reduzir inflamações e edema;
  • Diminuir a necessidade de analgésicos;
  • Aumentar a sensibilidade, reduzir as cicatrizes;
  • Prevenção e tratamento de infecções do trato urinário, dor genital, disfunção sexual;
  • Assegurar o bom funcionamento do Fígado, para apoiar o organismo a processar a terapia hormonal;
  • Apaziguar os efeitos secundários das hormonas e suplementar os efeitos pretendidos;
  • Intervenção cosmética: rejuvenescimento facial; Restaurar ou promover o crescimento capilar; Prevenção e tratamento da Acne;
  • Suporte na saúde mental, e actuação no equilíbrio das emoções;


É necessário salientar que para qualquer intervenção é importante aplicar um diagnóstico diferencial e compreender o quadro energético e sintomatologia da pessoa naquele momento, para aplicar a terapêutica eficazmente. Cada organismo é único e as manifestações podem ser diversas.
É também importante que todos os intervenientes no processo de transição tenham conhecimento sobre as terapêuticas que estão a ser utilizadas.



Artigo elaborado por Catarina Ramos, com base no trabalho de Ana Rita Pereira e Sara Pimentel para a disciplina de Ginecologia e Andrologia do 5º ano da ESMTC.

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